terça-feira, 31 de março de 2009

Guilherme de Ockham e o conceito de Liberdade

É um filósofo que deixa transparecer sua intensa luta pela liberdade e que ao longo de sua vida jamais permitiu que lha tirassem e, mais, buscou através de suas obras orientar para que os homens de sua época também não o permitissem. Não é por acaso que seu pensamento ficou relegado nos compêndios e seu nome citado entre os adversários da Igreja juntamente com outros nomes bem conhecidos, tais como, Pelágio, Ario, Berengário e Lutero. Para a ética a liberdade é o assunto por excelência. A liberdade é muito importante para a ética, porque se ocupa do agir humano, da finalidade de nossa vida e existência. Para Ockham, a liberdade apresenta-se como a possibilidade que se tem de escolher entre o sim ou o não, de poder escolher entre o que me convém ou não e decidir e dar conta da decisão tomada ou de simplesmente deixar acontecer. A preocupação de Guilherme de Ockham é com o fato de que o poder tirânico é contrário a liberdade a nós concedida por Deus e a natureza. Isto não é admitido como verdade por todos os filósofos, mas para o pensamento medieval do qual Ockham é um representante, mesmo que tenha sido rejeitado ao romper com algumas questões medievais, isso é uma verdade, pois o filósofo medieval aceita a verdade revelada como verdade e a fé como critério de conhecimento. Ockham denuncia aqueles que em nome da religião, passaram a usurpar a liberdade. E que tais usurpadores entendem, assim como ele, a liberdade como um dom de Deus da natureza. Ele pergunta-se, ao contrário dos pensadores do século XIII, pela validade do conhecimento universal enquanto aqueles perguntavam pelo conhecimento das coisas singulares. Ao fazer isso, chama a atenção para o mundo dos indivíduos. Ockham situa a ação humana no indivíduo e suas escolhas reais e concretas, presentes não em verdade ou entes universais, mas nas coisas e situações particulares, singulares. Distingue faculdades humanas de faculdades animais, ou seja, o homem possui a capacidade de viver pela arte e pela razão, que no entendimento do filósofo seriam as faculdades humanas e é por elas que deve agir e não pelas faculdades animais (seus instintos). Pressupõe-se assim que é de nossa própria natureza a capacidade de escolha exercida por meio da liberdade, entendida como presente de Deus e da natureza.

quarta-feira, 18 de março de 2009

João Duns Scoto
O maior expoente da escolástica pós-tomista é, sem dúvida, João Duns Scoto, o doutor sutil. Também ele, inglês e franciscano, foi aluno e professor nas universidades de Oxford e de Paris. Faleceu em 1308. Suas obras principais são: a Obra Oxoniense, isto é, o tradicional comentário das sentenças de Pedro Lombardo; os Teoremas Sutilíssimos, as Questões Várias, a Obra Parisiense. Nestas obras revela-se um crítico e um pensador de muito superior a São Boaventura.
O agostinianismo de Scoto manifesta-se, antes de tudo, no conceito de filosofia, entendida como instrumento para entender a fé e não como obra autônoma do espírito, como julga Tomás de Aquino. E, por sua vez, a teologia não é - segundo Scoto - disciplina essencialmente especulativa - como julga Aquinate - mas unicamente prática, em conformidade com o espírito do voluntarismo agostiniano.
A gnosiologia iluminista-intuicionista agostiniana firma-se no escotismo não tanto como participação da inteligência humana na luz divina, quanto como sendo a espontaneidade e a independência do intelecto com respeito ao sentido. Em todo caso, está contra o chamado empirismo aristotélico-tomista, conforme o qual o nosso conhecimento começa pela sensibilidade. Scoto concede, em linha de fato, o empirismo do nosso conhecimento; não o admite em linha de direito, como exige o tomismo. E isso seria devido - segundo o doutor sutil - à escravidão da alma com respeito ao corpo, decorrente do pecado. Pelo contrário, deveria a alma, por sua natureza, conhecer diretamente as essências, não só as materiais mas também as espirituais.
Na teodicéia, Scoto (contra a corrente agostiniana e em harmonia com o tomismo) ensina que Deus não é conhecido por intuição; a existência de Deus é demonstrável apenas com argumentos a posteriori, embora procure também combinar esta demonstração com o argumento ontológico, a priori. Quanto à natureza divina, o atributo essencial de Deus seria a infinidade.
Na psicologia escotista aparece ainda uma doutrina inspirada no agostinianismo. É a doutrina do conhecimento intuitivo da essência da alma, princípio de todos os demais conhecimentos. E também inspira-se no agostinianismo a doutrina de certa independência da alma com respeito ao corpo; seria a alma, por natureza, uma substância completa.
Com efeito, segundo Scoto, todos os seres, mesmos os espirituais, são compostos de matéria e de forma. A matéria não é mera potência, inexistente sem a forma, mas tem uma realidade sua própria; a forma não é única, mas há multiplicidade de formas em cada indivíduo. A individuação não depende da matéria (pelo que o indivíduo fica incognoscível intelectualmente), mas de um elemento formal individual, chamado haecceitas (que se sobrepõe à matéria por si subsistente e à hierarquia das formas); destarte, o indivíduo se tornaria intelectualmente cognoscível.
Contra o intelectualismo tomista, Scoto sustenta a primazia da vontade: a vontade não depende do intelecto, mas o intelecto depende da vontade. A tarefa do homem é conhecer para querer e amar; na vida eterna, Deus seria atingido, na visão beatífica, pela vontade, pelo amor e não pelo intelecto. Scoto põe também em Deus esse primado de vontade sobre o intelecto. Desse modo, as coisas criadas por Deus não dependem fundamentalmente da razão divina, e sim da vontade divina. E a própria ordem ética não é intrinsecamente boa por motivo racional, mas unicamente porquanto é querida por Deus, que poderia impor uma ordem moral oposta, em que, por exemplo, a mentira, o adultério, o furto, o homicídio, etc., seriam ações morais, e imorais as ações opostas.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Tomás de Aquino (1225-1274)

Filosofia e Teologia
Em torno do problema das relações entre filosofia e teologia, ciência e fé, razão e revelação, e mais precisamente em torno do problema da função da razão no âmbito da fé, Tomás de Aquino dá uma solução precisa e definitiva mediante uma distinção clara entre as duas ordens. Com base no sólido sistema aristotélico, é eliminada a doutrina da iluminação, agostiniana, que levava inevitavelmente a uma confusão da teologia com a filosofia. Destarte, é finalmente conquistada a consciência do que é conhecimento racional e demonstração racional, ciência e filosofia: é um lógico procedimento de princípios evidentes para conclusões inteligíveis. E compreende-se, portanto, que não é possível demonstração racional em matéria de fé, onde os princípios são, para nós, não evidentes, transcendentes à razão, mistérios, e igualmente ininteligíveis suas condições lógicas.
Em todo caso, segundo o sistema tomista, a razão não é estranha à fé, porquanto procede da mesma Verdade eterna. E, com relação à fé, deve a razão desempenhar os papéis seguintes:
1. A demonstração da fé, não com argumentos intrínsecos, de evidência, o que é impossível, mas com argumentos extrínsecos, de credibilidade (profecias, milagres, etc.), que garantem a autenticidade divina da Revelação.
2. A demonstração da não irracionalidade do mistério e da sua conveniência, mediante argumentos prováveis.
3. A determinação, enucleação e sistematização das verdades de fé, pelo que a sacra teologia é ciência, e ciência em grau eminente, porquanto essencialmente especulativa, ao passo que, para os agostinianos, é essencialmente prática.
Tomás, portanto, não confunde - como faz o agostinianismo - nem opõe - como faz o averroísmo - razão e fé, mas distingue-as e as harmoniza. De modo que nasce uma unidade dialética profunda entre a razão e a fé; tal unidade dialética nasce da determinação tomista do conceito metafísico de natureza humana; esta determinação tomista do conceito metafísico de natureza humana tornou possível a averiguação das reais, efetivas vulnerações da natureza humana; estas vulnerações são filosoficamente, racionalmente, inexplicáveis. E demandam, por conseguinte, a Revelação e, precisamente, os dogmas do pecado original e da redenção pela cruz.